06/03/2024

Ana(:)crônico

o meu amor, Ana, é crônico;
pode até ficar atônito
ao relutar ser biônico;
parecer tão anacrônico
que causa vômito cômico,
porém, ao meu ser é tônico,
tanto quanto o poder atômico
do verde ímpar, amazônico,
que pinta teu olhar sinfônico...

17/04/2019

diligência

a conta que cresce,
o pão que endurece,
a ponta da adaga
que ao plexo aquece,
a flor que afaga —
mas nunca floresce;

a falta de nexo
que transforma sexo
em vil manifesto,
em mero reflexo
do esmero reverso
que o tempo recebe
de mãos qu'estremecem;

nessa vida,
motivos pra inércia
jamais envelhecem.

padece só
quem se entorpece
do próprio receio;

tece com ócio
a teia do próximo
insólito anseio...

09/02/2019

casa

a casa da gente não é
onde é quente,
nem onde é
ausente
a cor
da parede.

da casa da gente,
sabemos o rumo de fato,
sabemos que é
rubra
tinta que tinge
o fundo
do quarto.

e a temperatura
não segue medida,
tampouco a vida
segue moldura;
é uma mistura
de paz aguerrida
com um pouco de
febre sem cura.

é um tango sensual
entre ordem e caos:
buscando ideal
ante opostos infernos,
uma dança fatal dentre
ossos e berros,
onde o mais mero
erro evoca o
juízo final.

de casa avistamos
e nos abrigamos
de dias cinzentos,
de frias noturnas,
de torpes eventos,
da nobre penumbra!
o barro e o cimento
nos cobrem da chuva
só escorre o relento
que sobe da estufa...

07/02/2019

da boa ventura

mesmo em pleno conflito,
quando pálido persegue aflito
e já não há mais ritos que unam
ou generais que punam
aos desditos da guerra,
inda é da rubra terra d'onde
floresce a tenra e boa ventura;

e quem padece de amargura
e se esquece de procurar razão
na vida, inda que obscura,
finda sem achar conexão
entre a chave e a fechadura
da nave que carrega alma
pra lá dessa cega falta de lisura.

o que com má ventura se rasga,
com boa ventura se costura,
só não vá muito atrás da fissura!

mas qual é o preço do acaso?
depende do peso do laço
que enforca os impulsos
e prende os traços difusos
da retórica de uso honorário
que tende ao lado contrário
aos passos ditados por tratos;

e se de contratos e afetos
fossem cria verdade e fortuna,
não haveria tratado ou decreto
capaz da metade ou do resto
que faz da vontade aventura;
de genuíno e honesto só restaria
o gesto indigesto da abreviatura.

a vil desventura se arrasta;
mas a mil a ventura ultrapassa
à agrura, e a doçura se alastra...

aqueles que à ternura abraçam,
e à fúria resolvem sozinha deixar,
não chovem na linha que traçam
nem dormem em qualquer lugar;
não perdem o atalho pra casa
pois sabem o trabalho que dá
encontrar agasalho de graça;

já os que têm medo da caça,
e tremem quando a fome cobra,
se abstém do veneno das cobras
porém vêm vivendo de praças,
de sobras, de credo sem obras,
sabendo que as asas que cortam
são próprias — e essas não voltam.

a cópia da boa ventura não basta:
se finge de contra-cultura da massa,
mas não tinge e nem cura desgraça...