02/09/2014

sonho de um rubor (sur)realista

era sangue. sim! era sangue que escorria desenfreadamente de meus cabelos, petroleosos e avermelhados. corri para o banheiro com o cu na mão e enfiei minha cabeça dentro da pia, debaixo da torneira aberta; a água gelada acariciava e arranhava com violência meu couro cabeludo; mas o líquido vermelho continuava a fluir, cada vez mais pleno de seu rubor vibrante e obscuro... senti meus olhos molhados e, ao me olhar no espelho, apavorado, saltei de espanto ao ver que minhas lágrimas também eram rubras e parcialmente pastosas.

sentei no chão, desamparado, e resolvi deixar – e assistir, mero espectador – acontecer. logo me vi imerso em uma piscina de sangue, mas, a essas alturas, nada mais me assustava, tamanho o furacão de acontecimentos desconexos. meus sentidos confundiam-se e emaranhavam-se numa onda maluca de sinestesia. tentei levantar e não consegui; minhas pernas não respondiam e minhas mãos já não tinham aderência à porra nenhuma. era como se eu agarrasse uma série de objetos escorregadios que se dobravam e emitiam sons disformes quebrando-se ao menor toque. desolado, assustado, e sem a mínima ideia do que fazer, olhei em volta e, de repente, todo aquele sangue (que era imperativo, imperão e o caralho a quatro!) começou a se evaporar... o vapor se dirigia para cima de minha cabeça. me olhei outra vez no espelho e, além do verdadeiro saco de coágulos que parecia ter sido jogado em cima de minha cabeça, havia uma sucessão de auréolas que enfileiravam-se verticalmente, vermelho-escuro e fumegantes.

horrorizado e cansado de todo aquele surrealismo inexorável e inexplicável, me joguei errante debaixo do chuveiro e me banhei longamente com água muito quente, vendo todo aquele sangue coagulado caindo no chão. e, quando olhei pra cima, as “auréolas-fumaça”, ao serem atingidas pela água corrente, dançavam e formavam figuras debochadas, sarcásticas e odiáveis, transformando-se em sorrisos amarelos. saí do banho, me enrolei em uma toalha (ironicamente vermelha) e saí atrás de alguém que pudesse me dizer se aquilo realmente acontecia ou se não passava de uma viagem lisergicamente ácida e aterrorizante...

procurei em todos os cantos da casa e só então lembrei que só eu havia ficado em casa naquele domingo frio – além, é claro, do espectro sempre muito doce e pululante de minha falecida gata Isis, que insistia em pular a janela do quarto, ronronando, indiferente à própria morte:

- “miau! trrrrrrrr!”

acordei.

olhei em volta: me encontrava no meu quarto, babando em cima da cama completamente suada e desarrumada. me estiquei para me espreguiçar e cocei os olhos, suspirando de alívio.

- “puta que pariu! era um sonho! ufa!”

levantei lentamente e senti aquela forte vontade matinal de mijar. fui tonto e ainda sonolento em direção ao banheiro, ainda olhando desconfiado por minhas roupas, preocupado que toda aquela paranoia insana pudesse ser real. entrei no banheiro, fui até a privada e comecei a urinar (é sempre um alívio fiadaputa!). terminei. lavei as mãos. peguei minha escova de dentes, passei a pasta e (“MERDA!”) a derrubei no chão. me abaixei para pegá-la, e, quando enfim reparei, o chão estava coberto de cascas vermelho-coágulo, aparentemente ressecadas pelo passar do que parecia algumas horas... levei instintivamente a mão à cabeça e logo senti um buraco gosmento e muito úmido, e enfim “me toquei”...

e então tudo desabou e derreteu. eu, o chão, as cores e tudo que havia em volta, real(?) ou não.

e a escuridão se alastrou, faminta...